sábado, 7 de julho de 2007

Adrica

Tomei um susto quando me dei conta que não a via há quarenta anos. É como se todo o tempo passado estava dentro de uma cesta. A mesma cesta de sempre, as unidades de tempo é que foram ficando menores e se amontoavamm naquele mesmo espaço. Quarenta anos couberam dentro da cesta, e ela estava aqui debaixo do meu braço, pronta para ser revirada a qualquer momento.
E que revirada! Vê-la no meu atelier, me contando historias de pessoas esquecidas, tocando minhas coisas, cheirava a “ de volta pro futuro”.
Lembrei-me de quando ela ia brincar em casa, minha mãe comemorava sua partida – Ufa, quanto barulho vocês fazem quando estão juntas... parece que tem 10 crianças aqui!
Na casa dela tomava-se mate gelado no lugar de refrigerantes e mastigava-se cenouras no lugar de chicletes. E tinha que mastigar de boca fechada, dizia sisuda a mãe dela, para não fazer barulho. Comia escondido, pois dentro da minha cabeça era um barulho inaquietável. Não tinha medo dela, não era do tipo que batia em ninguém, ao menos que eu soubesse – mas tinha respeito por aquele olhar AR15 de reprovação. Longe de seus olhos, pulávamos nas camas, fazíamos chuva de grama e guerra de travesseiros.
Ao final da tarde as crianças tomavam banho e se preparavam para o jantar, servido a francesa por copeiras portuguesas( (legitimas, importadas mesmo), e era quando chegava o pai: um sujeito polêmico, divertido, mas de uma alegria que eu, criança, não conseguia entender. Falava coisas que os adultos riam, pintava mulheres nuas que ficavam expostas na sala de jantar. Mesmo sem entender eu o admirava. Foi o primeiro artista plástico que conheci pessoalmente.
Agora minha missão é transformar o jazigo deste homem em uma obra de arte, com os elementos que fizeram a ultima fase de sua vida.
Ela me traz uma foto da casa na Ilha onde viveu seus últimos e mais felizes anos. Grandes janelas e um deck de madeira sobre o mar. Não é Isla Negra, nem a Sebastiana, mas poderia ser... O que é isto tudo? E eu trançando cordas de vidro, aflita por ver o mar.
Eu que nasci no mar, e amo o mar, como amo a poesia e a pintura, e o vidro, e a vida, como uma grande e inquieta onda do mar.

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